Meta de secretaria é fechar todos os vazadouros de lixo a céu aberto até julho deste ano
RIO - O catador é hoje o principal agente do precário sistema de reciclagem no Rio. Se, no Brasil, o peso dessa mão de obra informal é imenso na cadeia do reaproveitamento dos resíduos, em países europeus este ator passou a ter um papel secundário. Em países como Alemanha e Portugal, a coleta do material reciclável é feita ou por funcionários dos municípios ou por empresas financiadas pelas indústrias. Ou seja, os catadores, tema do terceiro dia da série "Desleixo insustentável", transformaram-se em empregados de usinas recicladoras ou empresários.
Um dos últimos países europeus a implementar um sistema de coleta seletiva eficiente, Portugal viu, nos últimos 20 anos, a figura do catador minguar das ruas. Dulce Pássaro, ex-ministra portuguesa do Ambiente, detalha o rito de passagem do catador:
— Nos anos 90, havia nas grandes cidades famílias coletando material nas lixeiras urbanas. Após a legislação da Comunidade Europeia, em 1994, estas pessoas foram requalificadas e passaram a trabalhar nas empresas do setor. Foi uma transição demorada, mas fundamental para a implementação de uma indústria de reciclagem ambientalmente adequada.
No Rio, a transição começou há menos de um ano, com a decisão de encerrar todos os lixões. A meta da Secretaria estadual do Ambiente é fechar todos os vazadouros de lixo a céu aberto até julho deste ano. A inclusão de quatro mil catadores da Região Metropolitana num modelo eficiente é o desafio que se impõe às empresas e ao poder público. Hoje, segundo a Comlurb, da parcela de 3% de reciclagem diária do lixo carioca, catadores — cooperativados ou não — respondem pela maior parte (2,73%).
Fim de lixões faz surgir um drama
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010) — que visa a mudar esse quadro — determina "a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos". Na avaliação do promotor Sávio Bittencourt, presidente da Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), esta inclusão deve priorizar, antes de tudo, a eficiência ambiental:
— Catador não precisa morrer catador. Pode virar empresário num novo sistema, como na Europa. Usar cooperativa de catadores como unidade de gestão preferencial para reciclagem me preocupa quanto à eficácia. Resolver, ao mesmo tempo, um problema ambiental e outro social nem sempre dá certo.
No Rio, porém, as questões sociais estão longe de serem solucionadas. A força da lei 12.305 gera um colapso no lado mais frágil da reciclagem. O bairro Fazenda dos Mineiros, em São Gonçalo, vive momentos de tensão social. Pelo menos 300 famílias, que há décadas obtinham seu sustento no lixão de Itaoca, estão sem renda com o fim do vazadouro, após a inauguração do aterro sanitário do Anaia Pequeno.
Em Jardim Gramacho, Duque de Caxias, o sentimento de apreensão é o mesmo entre 1.200 catadores — ali a separação manual do lixo movimentou, até o ano passado R$ 24 milhões anuais, segundo a Comlurb.
A lei está sendo ignorada pelas prefeituras, diz o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis.
— Em São Gonçalo ocorre o mesmo que em Magé: lá, em 2009, o lixão fechou, e os catadores ficaram sem alternativa — protesta Custódio da Silva, um dos líderes do movimento.
O próprio coordenador do programa Recicla Rio, da Secretaria estadual do Ambiente, Jorge Pinheiro, admite que "o catador está arriscado de ser alijado do processo":
— O desafio é fazer com que eles consigam participar do novo sistema de gestão. No caso de Gramacho, há perspectiva de solução, com um fundo de amparo ao catador.
Enquanto os recursos não vêm, sobram histórias de um segmento sem chão. Moradora da Favela Beira-Mar, em Caxias, Angélica Sabino, de 42 anos, é catadora de Gramacho há 20 anos e diz não saber o que fazer com o fim do lixão, programado para julho.
— Entrei aqui para bancar o tratamento da minha filha, que tinha sopro no coração. Como quem depende do SUS morre na fila, decidi pagar um plano de saúde. Aqui no lixão comecei a ganhar mais do que como auxiliar de serviços gerais e faxineira — diz.
Na Fazenda dos Mineiros, bairro dominado pelo tráfico, casebres com tábuas colhidas no lixo abrigaram, durante 40 anos, a força motriz da reciclagem local. A engrenagem parou em fevereiro, quando o lixão foi fechado.
— É duro ser tratado como lixo depois de anos catando matéria-prima — diz Jandira Albino, de 57 anos. — No lixão, achávamos frango congelado, uma carninha para a família...
Muitos ex-catadores de Itaoca reclamam que foram excluídos do cadastro da Haztec (empresa que administra o novo aterro) e que não conseguem sacar a ajuda de custo mensal de R$ 200. A Haztec informou, no entanto, que foram beneficiados 248 ex-trabalhadores que apresentaram CPF e identidade. Os catadores dizem ainda que a prefeitura de São Gonçalo não está dando a verba complementar de R$ 100. O município afirma que não prometeu verba, mas sim cestas básicas.
Longe dos antigos vazadouros, os catadores, que diariamente recolhem o lixo reciclável no Centro, mostram outros lados das agruras da profissão. O único "veículo de tração animal" que cruza diariamente as avenidas Presidente Vargas e Rio Branco é o burro sem rabo. Homens e mulheres ganham cerca de R$ 35 por noite revirando os restos da área central da cidade. Correm contra o tempo, entre o fim do horário comercial e a coleta da Comlurb, em busca de garrafas PET, papelão, papel branco, latinhas, ferro e cobre.
— É massacrante —- define Beto Nascimento, que há seis anos recolhe em torno de 180 quilos de papelão a cada noite de trabalho.
O Globo - RIO - 20/03/12
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