Caco de Paula - 16/04/2012 às 18:29
O que é essa tal de Felicidade Interna Bruta, afinal? Era assim que a maioria das pessoas com quem eu falava, até pouco tempo atrás, iniciava uma conversa sobre o tema. De uns tempos para cá, o assunto tem sido mais frequente nos noticiários e nas discussões em certas rodas, fazendo com que a compreensão desse conceito se torne mais ampla e acessível. Mesmo assim, ainda há um bom espaço para esclarecer mais como funciona essa ideia. Penso em três pontos principais. Para começar, embora a primeira imagem que possa vir à mente seja a do índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) heroicamente derrotando o índice de Produto Interno Bruto (PIB), mais ou menos como aquela figura tão cara ao imaginário brasileiro, de São Jorge matando o dragão, não se trata de nada disso.
A ideia de criar um indicador que dê conta de medir o que o PIB não mede, é, sobretudo, a de estruturar um índice que se some ao que já existe, que seja complementar e não necessariamente antagônico. Segundo: ainda que em toda a parte se noticie, corretamente, até mesmo neste blog, que o FIB tenha sido criado no Butão, não se trata de trazer para a realidade das cidades brasileiras um método que, apesar de dar mostras de funcionar naquele reino do Himalaia, aqui encontra desafios completamente diferentes. Trata-se, portanto, de aproveitar o conceito, a ideia de que é possível fazer melhor, de outra maneira. Terceiro: para um certo pensamento binário, que acredita que as coisas tenham de ser ou istoou aquilo, que não possam ser isto e aquilo, ideias superpostas, complexas ou sistêmicas, é difícil acreditar que o FIB realmente seja algo importante se não for “o contrário” do PIB. Ou, pior, já que o índice, como se explica aqui, não será necessariamente o mesmo, em todos os detalhes, que se aplica no Butão, como se fosse um antigo e imutável modelo da Ford, há quem aponte o FIB como uma tentativa quixotesta, intangível, indefinível e impraticável. Nada mais distante da realidade.
PIB é algo que pode ser complementar ao FIB, que pode ser adaptado a cada país ou região e sim, pode – e deve – ser muito prático.
SACHS, O ANTROPOCENO E A NOVA BUSCA DE FELICIDADE
Não há melhor abordagem para tratar essas questões acima do que o recém-lançado World Happiness Report*, preparado por The Earth Institute*, da Universidade de Columbia, em Nova York. O próprio economista Jeffrey Sachs, do Earth Institute, assina a introdução do que podemos chamar de Relatório Mundial sobre Felicidade. Neste e nos próximos posts trazemos, em primeira mão, a introdução feita por Sachs (aqui traduzida com a colaboração de Nancy Juozapavicius). Vamos, então, ao texto de Sachs:
“Vivemos em uma época de total contradição. O mundo desfruta de tecnologias de sofisticação inimaginável, e ainda assim há pelo um bilhão de pessoas sem o suficiente para comer todo dia. A economia mundial está sendo impulsionada a se elevar a novas alturas de produtividade pelo avanço tecnológico e organizacional contínuo e, no entanto, está destruindo de forma implacável o ambiente natural nesse processo. Os países atingiram mais progresso do que jamais havia sido mensurado de forma convencional, mas ao longo do caminho podem vir a sucumbir a novas crises de obesidade, fumo, diabetes, depressão e outros males da vida moderna.
Essas contradições não teriam chocado os maiores sábios da humanidade, incluindo Aristóteles e Buda. Os sábios ensinaram à humanidade, repetidamente, que apenas o ganho material não iria realizar nossas necessidades mais profundas. A vida material deve ser controlada para atender às necessidades humanas e, principalmente, para promover o fim do sofrimento, a justiça social e a conquista da felicidade. O desafio é real em todas as partes do mundo.
Como exemplo chave, a superpotência econômica do mundo, os Estados Unidos, atingiu impressionante progresso econômico e tecnológico no último meio século, sem ganhos na autodeclarada felicidade dos cidadãos. Em vez disso, incertezas e ansiedade são altas, desigualdades sociais e econômicas foram consideravelmente ampliadas, a confiança social está em declínio e a confiança no governo está no patamar mais baixo de todos os tempos. Talvez por essas razões a satisfação com a própria vida tenha permanecido quase constante durante décadas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
A realidade da pobreza, da ansiedade, da degradação ambiental e da infelicidade em meio a uma grande abundância não pode ser considerada simples curiosidade. Requer nossa atenção urgente, e de maneira especial, nessa conjuntura da história da humanidade. Porque entramos agora em uma nova fase do mundo, chamada de Antropoceno pelos cientistas que pesquisam o sistema da Terra.
Antropoceno é um termo recém-inventado que combina duas raízes gregas, “anthropos”, humano, e “kainos”, novo, como em uma nova era geológica. O Antropoceno é a nova era na qual a humanidade, através de suas conquistas tecnológicas e uma população de 7 bilhões de pessoas, se torna o maior propulsor de mudanças dos sistemas físicos da Terra, incluindo o clima, os ciclos do carbono, da água, do nitrogênio, e a biodiversidade. O Antropoceno irá necessariamente reformular nossas sociedades. Se continuarmos de forma descuidada na atual trajetória econômica, corremos o risco de minar os sistemas de suporte à vida na Terra – abastecimento de alimentos, água limpa e clima estável – necessários para a saúde da humanidade e até para a sobrevivência em alguns lugares. Já estamos experimentando a deterioração dos sistemas de suporte à vida nas terras áridas do Chifre da África e em partes da Ásia Central. Por outro lado, se agirmos com sabedoria, poderemos proteger a Terra ao mesmo tempo em que elevamos amplamente a qualidade de vida em todo o mundo. Podemos fazê-lo ao adotar estilos de vida e tecnologias que aumentam a felicidade (ou a satisfação com a vida) e reduzem os danos que causamos ao meio ambiente. “Desenvolvimento Sustentável” é o termo dado à combinação de bem-estar das pessoas, inclusão social e sustentabilidade ambiental. Podemos dizer que a busca da felicidade está intimamente ligada à busca do desenvolvimento sustentável.
A Busca da Felicidade
Em uma sociedade empobrecida, a busca focada do ganho material da forma como é convencionalmente mensurada geralmente faz muito sentido. Renda doméstica mais alta (ou Produto Interno Bruto mais alto per capita) geralmente significa uma melhoria nas condições de vida dos pobres. Os pobres sofrem privações terríveis de vários tipos: faltam abastecimento de alimentos, empregos remunerados, acesso a sistemas de saúde, lares seguros, água limpa e saneamento, e oportunidades educacionais. Conforme a renda aumenta a partir dos níveis mais baixos, o bem estar da humanidade se aprimora. Não é de espantar que os pobres relatem crescente satisfação com suas vidas conforme suas rendas escassas aumentam. Mesmo pequenos ganhos na renda de um domicílio podem resultar na sobrevivência de uma criança, no fim do sofrimento causado pela fome, em melhoria na nutrição, melhores oportunidades de aprendizagem, partos seguros e possibilidades de melhorias e oportunidades crescentes na escolaridade, treinamento profissional e empregos bem remunerados.
Agora, considere a extremidade oposta do espectro da renda. Para a maioria dos indivíduos no mundo da alta renda, as privações básicas foram vencidas. Há comida, abrigo, confortos básicos (como água limpa e saneamento) e vestuários suficientes para atender às necessidades diárias. De fato, há um enorme excesso do conforto sobre as necessidades básicas. Pessoas pobres trocariam de lugar com pessoas ricas num piscar de olhos. No entanto, nem tudo está bem. As condições de afluência criaram seu próprio conjunto de armadilhas. Deve-se destacar que o estilo de vida dos ricos coloca em perigo a sobrevivência dos pobres. A mudança climática induzida pelos homens já está atingindo as regiões mais pobres e aniquilando vidas e meios de sustento. Diz-se que na maior parte do mundo rico as populações afluentes estão tão separadas daqueles que elas estão colocando em risco que há pouco reconhecimento, prático ou moral, das sobras adversas (ou “externalidades”) de seu próprio comportamento. E ainda assim os problemas da afluência também atacam perto de casa. A afluência criou seu próprio conjunto de aflições e vícios. Entre esses, a perda do sentido de comunidade, o declínio da confiança social e os níveis de ansiedade crescente, associados aos caprichos da economia globalizada moderna, incluindo as ameaças de desemprego ou episódios de enfermidades que não são cobertas pelos planos de saúde nos Estados Unidos.
Maiores rendas médias não necessariamente melhoram o bem-estar médio. Os EUA são um claro exemplo disso, como observa o Professor Richard Easterlin. O PIB per capita dos EUA triplicou desde 1960, enquanto as medidas de felicidade média permaneceram essencialmente inalteradas nos últimos cinquenta anos. A crescente produção dos EUA causou danos ambientais maciços, notadamente através de concentrações de gás de efeito estufa e mudanças climáticas induzidas pelo homem, sem que qualquer coisa tenha sido feita para elevar o bem-estar regular dos americanos. Assim, não temos um “revezamento” entre os ganhos de curto prazo versus os custos de longo prazo ao meio ambiente; temos um simples prejuízo ao meio ambiente sem compensação de ganhos de curto prazo. O paradoxo que Easterlin observou nos EUA foi que em algum momento em particular indivíduos mais ricos foram mais felizes do que os pobres, mas com o tempo a sociedade não se tornou mais feliz conforme se tornava mais rica. Uma razão é que os indivíduos se comparam uns aos outros. São mais felizes quando estão no patamar mais alto na escala social (ou de renda). No entanto, quando todos sobem juntos, o status relativo permanece inalterado.
Uma segunda razão óbvia é que os ganhos não têm sido compartilhados de forma justa, mas foram desproporcionalmente para aqueles no topo da distribuição de renda e educação. Uma terceira razão é que outros fatores sociais – insegurança, perda de confiança social, declínio da confiança no governo – neutralizaram quaisquer benefícios sentidos pelos de alta renda. Uma quarta razão é adaptação: os indivíduos podem experimentar um salto inicial na felicidade quando sua renda aumenta, mas então retornam pelo menos parcialmente aos níveis iniciais conforme se adaptam à nova renda mais elevada. Esses fenômenos colocam um limite claro no quanto os países ricos podem se tornar mais felizes através do simples dispositivo do crescimento econômico. De fato, ainda há outras razões gerais para duvidar da fórmula do PIB per capita em constante crescimento como rota para a felicidade. Embora em certa extensão a renda mais alta possa elevar a felicidade, a busca por uma renda mais alta pode na verdade reduzi-la. Em outras palavras, pode ser ótimo ter mais dinheiro, mas pode não ser tão bom ansiar por isso. Os psicólogos descobriram seguidamente que indivíduos que atribuem grande valor a rendas mais altas geralmente são menos felizes e mais vulneráveis a distúrbios psicológicos do que indivíduos que não anseiam por alta renda. Aristóteles e Buda aconselharam a humanidade a seguir um caminho do meio entre o ascetismo, de um lado, e a busca por bens materiais, de outro. Um problema posterior maior é a criação persistente de novos “quereres” materiais através da publicidade incessante de produtos usando imagens poderosas e outros meios de persuasão. Considerando que as imagens são onipresentes em todos os nossos dispositivos digitais, o fluxo de publicidade é mais implacável do que nunca. A publicidade é agora um negócio de cerca de 500 bilhões por ano. Sua meta é superar a saciedade criando desejos e anseios onde não existia nenhum antes. Os publicitários e marqueteiros fazem sua parte ao se aproveitar das fraquezas psicológicas e desejos inconscientes. Cigarros, café, açúcar e gorduras trans, todos causam anseios, se não vícios absolutos.
Modas são vendidas através de imagens sexuais cada vez mais explícitas. As linhas de produto são geralmente vendidas associando os produtos a alto status social, e não a necessidades reais. E, finalmente, não há nenhuma advertência para aqueles que esperam se tornar mais felizes tornando-se mais ricos. Mesmo que os ganhos em bem-estar possam ser ampliados por futuros ganhos de renda, há evidências bastante impressionantes de que depois de certo ponto os ganhos são muito pequenos. A ideia chave é conhecida como “diminuir a utilidade marginal da renda.” Suponha que um domicílio pobre com uma renda de US$ 1.000 requer US$ 100 extras para elevar sua satisfação com a vida (ou sua felicidade) em um ponto. Um domicílio rico com renda de US$1.000.000 (mil vezes mais do que o domicílio pobre) precisaria de mil vezes mais dinheiro, ou US$100.000, para elevar seu bem-estar nesse mesmo um ponto. Os ganhos em renda têm de ser em proporções iguais à renda do domicílio para terem o mesmo benefício em unidades de satisfação com a vida.
Esse princípio significa que as pessoas pobres se beneficiam muito mais de um dólar adicionado à renda. Essa é uma boa razão pela qual os sistemas de transferência entre os países de alta renda da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) captam rendas líquidas de domicílios de alta renda e fazem transferências líquidas para domicílios de baixa renda a fim de promover o equilíbrio. Colocado de outra forma, a desigualdade da renda dos domicílios é sistematicamente menor depois dos impostos e transferências”.
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